quinta-feira, 31 de julho de 2008

e você, quem é?

Já faz um tempo que passo quase todos os dias pelo mesmo lugar e na mesma hora.
O curioso não é só o fato de esbarrar com as mesmas pessoas e ver as mesmas coisas, mas também o de passar todos os dias por ela. Às vezes, ela está varrendo o chão, mas outras vezes, ela está simplesmente parada contemplando algo. Contemplando algo...

Nem moça bonita, nem coroa gostosa...nada disso. Uma mendiga. Nesses dias em que passo por ali estou com Sônia, minha esposa.
Mendigos bêbados, sujos, comendo qualquer coisa que vêem pelo chão ou fazendo suas necessidades para quem quiser ver, infelizmente é muito fácil, mas ela nem de longe é assim.

Certo dia, o que me deixou mais perplexo ainda, foi quando passamos por ela e ouvimos:
- Bom dia.
Retribuímos aquela gentileza e fomos embora.
Foi definitivamente o “bom dia” mais interessante que já recebi. Olhei para Sônia e disse:
- Que barato, né? Uma mendiga, com tantos problemas, que não tem nem de longe a nossa condição e ainda tem a educação de nos cumprimentar. Que espírito que ela tem...deve ser muito evoluída.
Exatamente, César....Eu ouvi em minha cabeça. Aliás...cabeça, não. Consciência

Desde aquele dia, todos os dias ela nos olha. Me olha. Mas não com ares de “me dê algo” ou “tenha pena de mim” e sim, com olhos diretos nos meus olhos. Hoje, confesso. Atravesso a rua quando a vejo só para não encará-la. Ela não tem a minha condição e nunca me pediu qualquer coisa, não de boca, pelo menos. Seu espírito, sim. Esse me cobra no olho, me desafia a sentar ali com ela, a contemplar “o nada” que ela contempla, mas eu não tenho coragem. Essa condição eu não tenho, mas ela terá sempre aquele espírito.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

meu amigo

ainda se via um poste aceso ao fundo da rua.
De repente, ele apaga. Me dá um pouco de medo, claro
mas vou seguindo em frente sem me dar conta
do que estava realmente me acontecendo.

Penso no que faria se alguma coisa viesse em minha direção.
Aliás, penso mesmo em ser mais um a ser recebido por um pitt bull, coisa muito comum.
Uma mordida na perna...humm, dou um grito ou procuro algo pra dar na cabeça do coitado.
Ah, antes ele do que eu, lógico.
Agora, se ele vier em meu pescoço, o que seria quase fatal, mordo ele também
sem pena, nem vou querer saber.
Cara, que raiva que eu senti daquele pitt bull, mesmo sabendo que ele estava só em minha cabeça,
mas eu tinha certeza que ia encontrá-lo. Cão danado! Não sei quem criou essa bosta de raça.

Sigo. Já em meio à escuridão me dou conta dos meus olhos buscando ver qualquer coisa.
junto com o medo, um som. Patas, pra ser mais exato e é nesse ponto em que o poste se acende e pude ver o vira-lata magrelo me fitando. Ai, graças por ser aquele infeliz e não um pitt bull mesmo.

- Vem, totó - eu disse pra ele. Mas, bastou eu dizer isso que vem do outro lado da rua o pitt bull do meu pesadelo. Musculoso, babando e com olhos mais parecendo o próprio demo, avança pra cima do pobre vira-lata e os dois começam uma luta feroz e desleal.

Rezo...rezo muito pelo cão que não tem culpa inclusive de ser tão feio com seu rabo de rato e um tom marrom que contrasta com um cinza tenebroso.
Na briga, a poeira da rua sobe e eu procuro abrigo em cima de um muro
baixo de tão quebrado que já estava.
Eu gritava apoiando meu companheiro:
Calma, totó!!! Ai, meu Deus! Força, amigo!

Não demorou muito e la´vai ele pelos ares. Cena de filme mesmo. Só pude ver o marrom embaralhado com o branco...
Peraí! Branco? Caraca! O cão que estava destruído era o pitt bull! completamente machucado e totalmente sem rumo.
- Calma, pitt bull!!!! Eu gritei. Ai, meu Deus!
Ele era realmente muito forte e mesmo todo estropiado, fugiu!

Eu, de cima do muro, não aguentei e gritei:
- Socorro! Alguém tira esse assassino daqui!

O PULO

- você precisa pular mais alto, filho!
- Mas eu não consigo!
- claro que consegue, você é meu filho e precisa tentar!
- Não consigo, pai!
- Vai, rapaz! Cadê o HOMEM do papai?!
O menino sai do brinquedo e corre para junto da mãe dele.
O pai, com cara de decepção mais uma vez, é bom lembrar, sai dali e pergunta ao filho?
- O que houve? Hum?
O menino responde:
- Eu não consigo pular mais alto que isso!
- Como não? Por que não volta lá e...
- Chega, César!!! Diz a mãe. Deixa o menino, ele é uma criança.

Saíram do pequeno parque no único domingo que o pai arrumou para estar com a família. O pai resmungando com o filho dizendo que ele só quer saber de ir pros braços da mãe quando se sente magoado.

Uma noite fria e a luz do corredor acesa pra iluminar um pouco o quarto do menino.

Quanta reflexão pode haver numa noite? O que foi aquilo que o pai sentiu quando simplesmente pousou a mão sobro o corpo do filho já quase tomado pelo sono?

- Filho?
- hum...
- Você não precisa. Esquece, tá?
A criança abraça o pai, mas parecia nem saber o que estava fazendo tamanho o sono dele.
O pai, sem saber muito o que tinha dito e qual seria a reação do filho depois disso, agradeceu a noite calada após um dia tão agitado e se desculpou com sua mulher ao se deitar.

O menino não voou como o pai havia desejado naquele domingo passado, mas o pai já não precisava de mais nada daquilo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O que não tem explicação, é seu!

- E aí, gostou?
- cara, muito bom! Parece muito com U2!
Não sei porque, joguei fora pouco depois de agradecer e sair da casa do meu amigo.
Por que será que não consigo escrever coisas boas? Tipo, escrever um monte, psicografar mesmo!

Um tempo depois, depois de muito ouvir, escrevi outra música. Fui lendo até chegar em casa pra entender o garrancho proveniente do saculejo do ônibus.
- Amor! Lê isso aqui.
Levou uns segundos até ela entender que era só o que eu queria naquele momento.
- Nossa...muito triste. Você anda ouvindo muito Legião. Ah, não gosto desse tipo de letra.

Rasguei! Na frente dela! Afinal, ela é minha mulher e tem obrigação de ver, e principalmente entender meus gestos!

certo dia...

- Caramba! Que isso que escreví?
Fazia tempo que não ouvia música. peguei a letra, mostrei pro mesmo amigo e pra minha mulher de novo.

Ele falou:

- Pô, legal...diferente.

Ela falou fazendo cara de azedo:

- Que isso, amor. Ainda bem que você não é assim.

Claro que ela pode falar assim comigo, afinal ela é minha mulher e eu tenho a obrigação de ver e de principalmente entender os gestos dela.

Pois, no dia seguinte, compús uma música com aquela letra, não mostrei o resultado à ninguém que conheço e virei sucesso na internet sem nenhuma explicação

vou dando corda...

Será que ela vai entender isso? Eu acho que seria demais.

-Viveremos muito, diz ela o tempo todo. Questões óbvias do Mundo? Nem pensar!
Aquecimento global, violência, falta de alimento...tá na cara que estamos na maior das merdas, mas isso não vai acontecer conosco, afinal, somos um casal feliz e queremos um filho nosso. Amamos os nossos agregadinhos, entende? Filho dela com outro, filha minha com outra...somos felizes, sim, mas vou perguntar mesmo assim.

- Amor.
- oi.
- eu estava pensando...
- hum
- acho que vou investir num plano de assistência funeral
- Oquê?! É louco mesmo!
- mas, amor, a gente não sabe do dia de amanhã...
- Cara, é muito absurdo...
- mas são só R$ 2,00 por dependente...

Faço uma pausa quando noto a cara de louca possuída que seria lindo se fosse num ato sexual, entende? Violência mesmo! Acaba comigo! Vai, seu cachorro! Hummm....

- você acha que vou viver pra sempre? Pensa no perrengue que será se acontencer...
- CHEGA! Quer fazer algo de bom? Faz um plano de saúde e não um de morte, merda! Vai escolher cor de caixão, flores amarelas ou brancas, com vidro pra mostrar o rosto ou sem vidro? Quer saber de uma coisa? Vou tomar meu banho.

Naquele momento pensei na minha posição de homem da casa e, dias depois, fiz um plano de saúde pra mim. Caro pra mim, cobria algumas coisas legais tipo enfermaria. Legal, se eu me fuder fico com no máximo mais 3 fudidos do meu lado. Boa!!!
Meses se passaram e somos um casal lindo de novo.
Toca o telefone da minha casa.

- Alô
- Boa noite, senhor...o senhor conheço a senhora Sônia Albuquerque de Alcântara? Meu Deus!...ele disse o nome completo...(boca seca)...tomara que seja dívida...
- si, sim...conheço, por que?
- Olha, senhor...ela se envolveu num acidente grave...algumas pessoas foram atropeladas...inclusive ela e...bom...ela não resistiu, senhor. Infelizmente veio a óbito.

Enquanto ele me dava as informações, eu ia sentindo um fade out em meu ouvido, comecei a não ouvi-lo mais...sentei depois que anotei tudo, desliguei o telefone de leve em sua cara e nem chorei. Fiquei ali uns minutos, levantei e saí.

Total do enterro: R$ 2,000.00. Claro que não tinha esse dinheiro sobrando, claro que tive que cancelar meu plano de saúde com enfermaria e pedir dinheiro emprestado.

- Amor?
- sim, sou eu
- o que houve...
- calma...não fala nada agora. Vem comigo
- pra onde? Como?...
- Você agora está bem, meu amor e comigo
- O quê?! Peraí...e as crianças? O que é isso! Aquele sou eu no chão!

Ah, o amor...lindo e, agora sim, duradouro mesmo. O egoísmo e a loucura ficaram lá, com nossos filhos e nossos pais brigando e querendo achar culpados. Ah, que se dane tudo. Decidam no tapa: plano de saúde ou plano de morte?

Marcelo Daguerre