sexta-feira, 27 de março de 2009

À César o que é de César (ou quase dele)

Oi, eu sou o César. Bom, até aí, nada demais, mas tenho uma história pra contar. Algo que aconteceu comigo e gostaria de deixar relatado aqui. Foi assim:

Estava eu no ônibus certo dia, pra ser mais exato num 433, linha que vai da zona Norte a zona Sul do Rio de Janeiro, indo para Copacabana numa loja de instrumentos musicais usados. Junto comigo estava meu amigo. Um violão giannini modelo trovador ano 75 (um tanto surrado, diga-se de passagem). O detalhe é que o violão não tinha capa e, por isso mesmo, todos achavam que eu estava pronto pra parar em algum lugar, colocar um chapéu ou algo do tipo no chão e tocar, tocar...Nada disso! Sinceramente, se sei cinco músicas de cabeça é muito. Bons tempos em que tocava umas 50 uma atrás da outra.
Naquele dia, saindo da Lapa e entrando no 433 não foi diferente. O que tinha de passageiro que quando me viu entrar com o violão virou a cara, fingiu falar ao celular ou simplesmente fez cara de “sai daqui” não tá no gibi. Sentei sem tocar música alguma me todos nós passageiros ficamos aliviados, porque se tem uma coisa que pobre não gosta é de outro pobre.

Tudo tranqüilo. Gosto de viajar de ônibus, apesar de que naquele dia estava um sol danado. Janeiro, gente indo pra praia e tal. Passamos pela praia do Flamengo, muita gente desceu, seguimos viagem e ganhamos a praia de Botafogo. Bonita, mas uma imundice só. Fica só pra olhar mesmo. Passamos pelo túnel e chegamos ao Rio Sul, um shopping que fica ao final de Botafogo quase entrando em Copacabana. Ok estamos em Copacabana. O 433 vira uma rua que não sei o nome e ganha a rua Toneleiros. Tem uns prédios bonitos nessa rua, uns bares legais...mas, de repente, comecei a ouvir uns barulhos fortes, todos no ônibus começamos a nos entre olhar tentando buscar uma explicação lógica e concluímos. Tiros! Muitos tiros pra todos os lados, gente correndo nas ruas e policiais também, algumas pessoas ficaram em pé procurando balas, outras se jogaram no chão e outras ainda não tinham entendido o que estava acontecendo.
Em meio a tanta confusão e o com o motorista do 433 completamente atordoado, ouvi uma frase que nunca ma saiu da cabeça, algo mais ou menos assim:
- O BAGULHO É DOIDO, PORRA! TODO MUNDO QUIETINHO! QUEM SE METER, TOMA CAROÇADA!
Depois de ter me jogado no chão de forma cinematográfica, pude ver que se tratava de uma figura completamente transtornada. Um cara com aspecto de louco com uma arma na mão e que estava mesmo era fugindo da polícia encontrando o ônibus de porta aberta. Não pensou duas vezes. Entrou! Vários empurrões, gritos e a polícia, que viu o malandro entrar no coletivo, começou a cercá-lo.
Depois de fazer várias ameaças aos berros e dizer que não sairia dali sem matar alguém, percebo que ele reparou em mim. Depois reparou no meu violão. Na verdade ele ficou mais tranqüilo quando os policiais disseram que ele nada sofreria.
- Tu toca violão, cumpadi?
- To..toco
- Mas tu toca o quê? Só aqueles rock doido?
Eu nunca ia dizer que gostava de rock depois que ele disse que era de doido. Naquele momento eu odiei rock.
- Na...não, eu toco de tudo...so...sou eclético.
- Tu é o quê? Ah, se foda! Toca essa parada aí que eu quero ouvir
Putz! Logo eu que sei umas cinco músicas de cabeça, lembra? Então...
- Mas tocar o quê...
- “Mermão”! To mandando tu toca. Se vira
“mais uma dose, é claro que eu to afim...”
- que isso?! Que bagulho de música! Toca aquele “Bahia, nã, na, na...” Vai, toca aí!
Axé!!! Entendi. Tenho que tocar um axé pra esse cara!
“Mila, mil e uma noites de amor com você, na prai...”
- Para, porra! Não é isso, não! Eu gosto daquela da Bahia...tu num toca? Tu num é bom? Então...
- Serve um pagode? Eu conheço um...
- Ta, ta! Toca esse pagode aí, vai!
“cheia de manias, toda dengosa. Menina bonita, sabe que é gostosa”
- Ta, ta! Agora toca “Bahia, na, na, na...”
E, quando eu ia dizer, me mata porque eu não sei, ele disse:
- Ah, lembrei. É mais ou menos assim: “Bahia...a tarde feito um viaduto”
Meu Deus! O bêbado e o equilibrista! Essa música tem uns 15 acordes. Escolhi dois, respirei fundo e fui:
- “Bahia, a tarde feito um viaduto. E um bêbado trajando luto...”
Imagina só. Tocar essa música com dois acordes.
- “with or without you...uuu”
- Oh, oh, oh! Pára com isso! Manda um funk! Ah, essa eu quero ver
- Funk? Claro, claro
Virei o violão e...”era só mais um Silva que a estrela não brilha, ele era funkeiro, mas era pai de família”

Não acreditei no que vi. Uma lágrima. O malandro começou a chorar baixinho. Naquele momento olhei pros lados e comecei a ter o apoio das pessoas e todos arriscaram cantar.
- “Era só mais um Silva que a estrela não brilha. Ele era funkeiro, mas...”
POUUUU!!!!!!!! Foi o barulho que meu violão fez na cabeça dele! Aproveitei o momento em que ele chorava sem controle quase deixando a arma cair no chão e destruí meu violão! Sem saber o que estava acontecendo ele ficou atordoado e um bando de valentes começou a chutá-lo. Pernas de todos os lados, braços vinham do alto e o acertavam de todos os ângulos. Acertavam em mim também e...
- Pára, cassete! O cara ta quase morrendo. Pára com isso!!! Tive que gritar com eles. Peguei uma das cordas do violão que já não existia, virei-o de costas e amarrei suas mãos. Quando eu levantei com ele dominado e com sua arma na mão, todos os policiais extremamente bem preparados e armados com bazucas já iam mandar nós dois pro saco até que eu gritei:
- Peraí, peraí. Eu estou com ele aqui. Dominado. Mas eu quero fazer uns pedidos pra liberá-lo pra vocês. Primeiro: Tem uma loja aqui perto de instrumentos musicais. Eu estava indo pra lá e tive que dominar esse cara quebrando meu violão Fender, americano, ano 72 na cabeça dele e esse instrumento custa dois mil reais! Quero esse valor de volta! Outra coisa: Nada de pegar o cara e sair distribuindo porrada nele. Ele está dominado, tem recuperação e...bom, ele é sensível. No fundo, no fundo é uma pessoa boa, ok? Posso contar com isso? Senão, solto ele, devolvo a arma e a gente recomeça tudo!
- Ta ok! Perfeitamente. A polícia vai acompanhá-lo até a loja e ressarci-lo na seu violão e nós vamos cuidar bem desse rapaz.
- Ok. Podem vir buscá-lo.
A CASA CAIU, MALANDRO!!!!
Pronto. Entraram policiais de todos os buracos do ônibus. Janelas, porta da frente, porta traseira, da abertura do teto....ou seja, eles destruíram o ônibus. Ficou muito mais caro. Ah, dane-se. Saí do ônibus aplaudido e amparado por outros PMs. O rapaz, claro, saiu amparado na base da porrada por uns 30 policiais.